segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Bom começo


28 de Fevereiro - Bom começo... O Francisco respira já por si... Entreabre os olhos, lentamente... Está ainda sedado, de olhar um pouquinho mortiço, com os olhinhos azuis claros ligeiramente enevoados, semi-cerrados... Pergunto ao enfermeiro se lhe posso falar, se ele pode ouvir-me, se lhe posso tocar, afagar o cabelo, como quem o penteia... «Claro, claro; pode sim, pode e deve» - diz ele... O Francisco inclina ligeiramente a cabeça quando chego ao pé e lhe digo: «Olá Francisco! Então? Tás bom?». Dou-lhe um beijinho na testa e agarro-lhe na mão. Ele olha-me em silêncio...

Faço-lhe depois uma festinha no cabelo... Repito-lhe palavras que ele já conhece, palavras que o ajudem a identificar-me. Que o orientem... Algumas das palavras de encorajamento que lhe disse ontem... E que hoje mantenho... Está ainda sob o efeito da medicação que o mantém vivo, que o protege do choque das dores, do abalo das infecções... Mas desligaram-no já do ventilador. Respira já por si... Têm-no mantido desligado - embora lhe conservem, na boca, ainda, a embocadura solta do tubo: numa emergência voltam a pô-lo... É um teste à sua resistência, à sua vontade de viver.

Mas já está desligado da máquina. Quando lhe falo ele olha na minha direcção. Não pode falar, com o tubo na boca... Claro... Mas franze a testa... O que é bom sinal! É o Francisco... Ele franze a testa... Já a franzia sempre que falava, antes da operação... Talvez amanhã o subam já para o 4º piso, para o espaço onde trabalho, o espaço dos recém-operados: «está a reagir muito bem, diz o enfermeiro»
... Ganhei já o meu dia... Telefono para casa a dar as boas notícias... Dou-lhe um beijinho e despeço-me... As visitas não duram mais que alguns minutos... Obrigada Senhor, pois mais um dia de vitória!!!

domingo, 27 de fevereiro de 2011

«Estável»


27 de Fevereiro - «Olá, Boa tarde. Venho visitar o Sr Francisco. Como está ele?» «Estável». Converso com a médica. Fico então a saber que vão tentar desligá-lo em breve, do ventilador. «Quanto mais cedo voltar a respirar por si, melhor». Quanto a infecções: «Ainda sem febres» - graças a Deus! Aproximo-me e digo-lhe ao ouvido, pausadamente: «Olá, Francisco! Cá estou, como te tinha dito. Lembras-te? Tenho muito orgulho em ti, ouviste. És um homem de muita fibra, muita coragem, muito valor. É só teres mais um bocadinho de paciência, para poderes voltar para a tua cama e poderes depois estar connosco». Fixo de soslaio o monitor. Reparo que a pulsação, à medida que falo, sobe: de 62 para 72 pulsações por minuto. Reconheceste-me, Francisco... - penso de mim para mim. «Trouxe-te umas coisas: pasta dentífrica líquida, escova de dentes macia, um creme hidratante, giletes e creme de barbear, e o teu pente». Falo de novo com a médica. Compreende que somos uma espécie de família, e mostra-se esperançada nele. Diz-me, entretanto: «tinha de ser operado. Não havia outra hipótese. Mas está a reagir bem. Vamos ver se o conseguimos separar da máquina».

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Neste momento, o Francisco está...

Aqui... Endereço: Unidade de Cuidados Intensivos, 3º piso do Hospital de Faro. Estado: Entubado, ventilado e drenado, em estado de coma induzido. Medicado, claro: para que possa suportar as dores a que, de outro modo, não sobreviveria. Conforme é sua prática, o Hospital, visto se não conhecer família, entregou-nos a nós os seus pertences. Não chegou a estrear as suas 2 camisolas novas. Tinha vergonha de andar com a verde, já envelhecida e gasta. E alguém lhe ofereceu, também, uns chinelos quentes e macios. De resto, eis o que vinha no saco dos seus objectos pessoais: 1 roupão, 1 calças de bombazine escura, 1 cuecas, 1 ceroulas, 1 par de sapatilhas, 1 par de chinelos, 1 bóina, 1 maço de cigarros Pall Mall, 1 isqueiro, 1 casaco de malha abotoado à frente, 1 casaco com capuz novo, (comprado a seu pedido), 1 camisa branca às riscas, 1 cinto, 1 camisola interior, 1 escova de dentes, 1 pente, alguns copos e palhinhas de plástico, 31 euros e 25 cêntimos. Eis a quanto materialmente remonta a dignidade de um homem. «Francisco! Se te importa saber, estamos à tua espera». Pediram-me que lhe levasse uma escova de dentes e uma gilete, creme de barbear e pasta dentífrica. Amanhã componho a malinha: loção hidratante, toalhetes higiénicos, escova de dentes, creme de barbear... E a lista começa a alongar-se...

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

25 de Fevereiro

Para lá dos batentes de uma porta como esta, há-de estar hoje o Francisco. Foi ontem operado e não o pudemos visitar. Não sabemos ainda como correu. E o verbo «operar» é, para nós, ainda intransitivo: não dizemos a que foi ele operado - nem a nós próprios, nem a mais ninguém. Esperamos, apenas. Do seu mais resguardado segredo, a porta olha-nos, silenciosa e cheia de luz. Olha-nos, com os seus dois olhos de vidro fosforescente. Desde ontem que nos fita, com os lábios selados pelo mutismo do seu segredo, no meio de dois braços abertos: «Esperamos, Senhor, que hoje, ao Francisco, Tu o Protejas por nós». Mas não sabemos, confessamos-te, o que nos reservas. «Não sei o que o amanhã me trará», terá deixado escrito o Fernando Pessoa, na sua hora da despedida. «Nem nós hoje, ó Fernando que foste 'Pessoa' de teu sobrenome. Nem nós hoje, para lá desta porta». Ontem perguntámo-nos várias vezes como teria corrido a operação. Vamos ver o que nos abrirá hoje o futuro anterior deste nosso tempo suspenso.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O dia lá fora...

Acabámos de ir «lá fora», como por aqui se diz. O Francisco, que aqui vêem na sua séria e meditada pose, foi connosco fumar um cigarro e tomar um chá de limão. Esteve uma tarde calma, arejada e soalheira. Os três sentados no murete da entrada, por debaixo do toldo. Oferecemos-lhe um maço de cigarros, que ele quis pagar e nós não deixámos. E que ele guardou ciosamente, para as suas melhores ocasiões. E ali conversámos. Havia entretanto outro companheiro de sala. Muito simpático por sinal. Percursor no gesto de oferecer um cigarro ao Francisco, que fez questão de nos dizer: «eu pedi não; ele é que mo ofereceu! Naaa... Ele é que mo ofereceu» A pouco e pouco lá se foi acostumando ao meu beijinho, à chegada e à partida, e ao aperto de mão do JP, a quem ele estende a mão de dois dedos. Nesse dia confidenciou-nos uma série de coisas. Ontem, dia 25 de Fevereiro de 2011, o Francisco foi operado. Fomos à farmácia do Hospital, para aviar duas receitas. O JP pergunta-me: «Não haverá meio de ires saber alguma coisa dele?»

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Fazer o bem, não faz mal a ninguém...

Às vezes, de nós para nós mesmos, fixa-nos o acontecimento por onde o futuro nos espreita. Afastamos, então, os pensamentos, no gesto de quem se recompõe. Mas nem sempre esse gesto expedito basta. Coçamos então a nuca, afagamos a testa ou o queixo, como quem revolve, nos motivos que se indagam, as razões do impossível. Eis o Francisco, que acaba de chegar. «Que faço eu aqui, ó valha-me Deus!»... «Isto só visto, ó sorte malvada!» E olha para nós. Com aqueles seus olhos cavos e profundos. Inacreditavelmente azuis. «Isto é alguma coisa, diga-me lá?». «Francisco, diz-lhe o JP, enche-te de paciência. Vais ter de nos aturar aqui ainda durante uns tempos». Quando o conhecemos mal caminhava. Hoje, assim que nos vê, passa, num gesto largo em que o braço passa em arco sobre a cama, gesto de quem assinala alguma espécie de invisível cometa, que cruzasse os céus caiados da sala, o andarilho com que outrora se apoiava, para andar pelo corredor. Abre espaço para que nos sentemos. Puxa de seguida a cadeira e convida-nos: «sente-se aqui». E depois torce-se sobre a cama para não ficar de costas para ninguém. «Olá, Francisco: dormiste bem a noite?».

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Um leve sorriso...

De quem tem agora alguém que com ele se preocupe... Entrou no hospital a 1 de Fevereiro e por lá se manteve... Desde que eu lhe levo uma sopinha de hortaliças que ele anda mais contente. O hospital dá-lhe, diz, «comida de galinhas». Mas di-lo num tom de brincadeira. Quando o JP lá esteve internado, contou-lhe as suas memórias da guerra. Foi combatente em Angola, justamente por alturas da eclosão do conflito armado, depois da crise de 1961. A certa altura pergunta: «Então e agora são todos amigos?» Quem lhe poderia responder? Eis um homem a quem o país deve uma satisfacção, o reconhecimento do seu sacrifício. Em vez disso dá-lhe uma reforma escassa, que ele protege como pode. Há dias o vizinho veio pedir-lhe dinheiro para comprar ração para o Pelé, o cão que deixou preso em casa. O Paco e o Pelé não se conhecem ainda. Um dia se conhecerão. Quando me despeço dele, estende-me sempre a mão decepada, dois dedos magros dobrados em tenaz. Até amanhã, boa viagem... Obrigado Francisco, até...

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O Silêncio de Francisco

Há pessoas em quem o silêncio é uma forma de pudor. São raras. Francisco Encarnação é uma dessas pessoas cuja presença se marca pela reserva. O seu olhar guarda em segredo uma difícil disciplina. Não é homem para se queixar. Nunca se lhe ouve um lamento, uma chamada de atenção. "Francisco, precisas de alguma coisa?" - "Euuu? Nãooo...não preciso...Tá tudo bem". Quando solta uma praga é com a voz sumida de quem fala para dentro e se confidencia a sorte macaca. Levanta-se da cama 8 do Serviço de Gastroenterologia e vai de andarilho pelo corredor...De vez em quando funga. O inverno dói-lhe na rótula do joelho. Chega à sala de convívio e senta-se ao fundo. A um canto. Pesa 40 kilos. Mas é senhor de uma gravidade toda ela feita de contenção: "Um ponto na boca" - e junta com o polegar e o indicador o lábio inferior ao superior. Espera por nós deitado olhando pela vidraça da porta... espera pela nossa visita. Hoje fizeram-lhe a barba. Ei-lo, com uma ligeira inclinação no olhar. É para nós um exemplo... E um modelo...

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Para ser feliz não existe poção mágica...

É preciso somente que se tenha a alma limpa e desprovida de mágoas e rancores. Quanto mais tempo ficarmos remoendo as dores mais tempo levaremos para cicatrizar as feridas. Não há mal que dure para sempre. Por maior que um problema possa parecer jamais poderá ser maior que a nossa vontade de viver. Estamos aqui de passagem. Nada trouxemos e nada levaremos. Cada um é livre para cumprir a sua missão da maneira que desejar.

Desejo à todos muitas felicidades hoje e sempre...

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Olá amigos!!!

"Nunca segure uma Lágrima para mostrar
Que tem Força...
Deixe-a rolar para mostrar que tem Sentimento!"
Fiquem Com Deus!!!