quarta-feira, 2 de março de 2011

«E o marido?»


2 de Março - O Francisco melhorou, de ontem para hoje... A olhos vistos: «Olá Francisco!» Dou-lhe o beijinho, mas ele está hoje impaciente... «Francisco, sabes quem eu sou?» «Seeeeiiii»... E inclina a cabeça, com um ar de quem não aprova a minha dúvida... Olha depois para mim e pergunta: «e o marido?». Reconheceu-me... Já tem a mão mais lesta, menos trôpega. Quando responde, move-a no mesmo gesto largo que sempre lhe conhecemos... Digo-lhe que «o marido» está a dar aulas. Só pode ir vê-lo no final de semana... Tenta levantar a mão, mas não pode... Está preso à cama, que tem as guardas laterais levantadas. Pede-me uma tesoura para se libertar.

«Não podes tirar isso, Francisco. Não podes mexer no nariz».
Não podes tirar a sonda do nariz... O Francisco tem uma sonda nasogástrica... Está niquento, sistemático, coca-bichinhos, hoje... Incomoda-o, aquilo... Está-lhe colada ao nariz com um adesivo... Apetece-lhe arrancar o raio do «tubinho»... É ele que o põe inquieto... Que o faz resmungar: «ah, sorte malvada!»... Emite de si para si, em cada resmungo, sons imperceptíveis, incompreensíveis. Mais graves, de meias palavras. Está já mais desperto, mais enérgico, menos ansioso... Mais decidido, mais imperativo, também.... Mais «pronto», exigente, dir-se-ia... Mas está mais sensível, mais irritável... O que é natural... Os doentes ficam sempre mais sensíveis, irritáveis... E o Francisco, neste momento, fala e ouve-se melhor. Está mais «articulado», também.

Os efeitos da anestesia vão-se esbatendo... Está até ligeiramente casmurro: «Quero água!» Tem já a voz mais encorpada, mais recortada. É já o Francisco, o nosso Francisco de sempre. Conhecemo-lo há um mês: «Não podes, Francisco! Não podes ainda beber água... Só humedecer os lábios. Não vais poder, por enquanto, beber nada...». Resmunga qualquer coisa... Está «ranzinza», hoje. Afeiçoámo-nos a ele... O Francisco nunca pede ajuda... «Precisas de alguma coisa, Francisco?» «Eeeeuuu? Naaaa... Obrigado». Nunca se queixa... Mas não é de ferro... O enfermeiro traz-lhe a espátula e o copo... E passa-lha humedecida na boca e na língua... Despeço-me... «Até, Francisco... Dá cá um beijinho homem»... E ele deu...

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