terça-feira, 1 de março de 2011

Acordou...


1 de Março - Acordou... Finalmente... Tiraram-lhe o tubo da boca. «Olá Francisco!» Dou-lhe um beijinho na testa e seguro-lhe a mão. Aperta-ma, com os dois dedos da mão decepada. Como um alicate. Pergunta-me, com uma voz ainda sumida: «Quando saio daqui?». Olha-me fixamente e depois tenta explicar-se. É difícil percebê-lo à primeira. Não só porque ele tem uma voz grave. Sempre teve, desde que o conhecemos. Mas também porque fala como se meditasse cada frase. Tem uma fala entrecortada. Por arrancos, sempre retomada. De vez em quando humedece a boca, entre uma palavra e outra. Dou-lhe notícias do meu marido, que lhe manda um forte abraço. E digo-lhe que já muita gente se preocupou com ele. Que muita gente orou por ele. Em Portugal e no Brasil. E vai continuar. Que sossegue, que Deus o não vai abandonar. Que também Deus o segura pela mão...

E apercebo-me, a certa altura, de que me segura a mão com força... Que se mantém a segurar-me a mão com firmeza... A saída a anestesia gera aquela ansiedade, aquela espécie de aflição. Noto que mexe as mãos e a cabeça já com mais desembaraço. Quando lhe digo que é um homem muito corajoso, com muito valor, inclina a cabeça. Mas não quer que me vá embora. Falo com a enfermeira: «ele tem um quadro evolutivo bom. Amanhã, passadas as 24 horas da respiração autónoma, a médica vai reavaliá-lo e decidirá. Ou regressa já ao piso de operados, ou vai para a Unidade de Cuidados Intermédios do Serviço Operatório». Para o poderem acompanhar, caso ele se desoriente - adianta ela. É outro dos sintomas frequentes da saída da anestesia: a desorientação, a perda de sentido da realidade. Ou talvez por causa do perigo de contrair infecções... Tremo só de pensar numa coisa dessas... Acabou a visita... «Deus está contigo, Francisco». Ele aperta-me mais a mão. Hoje deixaram-me estar mais tempo... «Não tires o monitor do dedo».

(É um «oximetro». Uma pequena mola de plástico ligada a um fio. É incomodativa. Tem uma luzinha vermelha. Emite e recebe raios infra-vermelhos através dos tecidos do dedo. Mede a frequência cardíaca e a percentagem de oxigénio no sangue. É o sensor de alguma eventual «hipoxia» - «deficiência provocada por falta de oxigénio no sangue»). Ele não o pode tirar - embora se perceba que a pressão impacienta...
Prende-lhe a ponta do dedo e carrega-lhe de ambos os lados, faz pressão... Mas, tira-o... «Não podes tirar isso, Francisco! Põe isso no dedo, vá»... E ponho-lho no dedo.... Vamos... E despeço-me. Acena-me com a mão... «Amanhã estou cá de novo», digo-lhe à despedida... «Esperas por mim? Tenta descansar»...

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