Ontem, 13 de Setembro, saí de casa por volta das 15:30. Era o meu turno da tarde. Das 16:00 à meia noite, no piso de cirurgias do Hospital de Faro: uma correria. Deixei meu marido aparentemente bom. Entro e o piso está cheio: um comboio de macas no corredor. Ora aí está: «uma tarde de SIGIC» - penso para comigo. SIGIC: «Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia». Tarde de (muitos!) operados. Cumprimento o pessoal e visto-me para começar. A urgência de sempre, a azáfama de sempre. De repente o telemóvel vibra no bolso. 17:15hs, vejo no écrã: recebo uma chamada de «casa». Que se passa? O meu marido, pergunta-me se conheço algum dos médicos que estão de banco nas Urgências. Um frio começa invadir-me a ponta dos dedos. Desce pelo braço, pelas costas. Um calafrio. Aperto o telemóvel na mão e encosto-o melhor ao ouvido.
O meu coração acelera: «Porquê? Que se passa? Tens alguma coisa? Que sentes?»... Assusto-me. Apavorada, falo tão alto que se ouve pelo corredor. Um dos enfermeiros, a meu lado, recomenda-me que ponha o telemóvel no «viva-voz». Ouço-o. Está inquieto, ofegante: «Ardor no peito... De vez em quando náuseas, vómitos intermitentes... Uma moinha que não me larga, a correr pelo lado direito do queixo... E uma dor pulsátil a estender-se-me, como um fio repuxado, que de vez em quando se estica, a correr por debaixo do braço esquerdo, a amarrar-me o pulso... Suor... Estou alagado em suor... Tenho de me deitar».
O enfermeiro a meu lado: «desliga já, chama já o INEM». «Fofinho, consegues andar até à porta? ... «Sim, acho que sim...» «Vai andando para a porta e abre-a. Depois deita-te. Preciso de desligar. Vou chamar o INEM, beijinhos». O 112 toca, toca... Finalmente: «Tá sim? Boa tarde! O meu marido está em casa e ligou-me a dizer que está a ter um enfarto.» Atrapalho-me, na explicação. Que querem eles que diga? «Que idade tem o seu marido?» «55 anos». «Ele está sozinho?» «Sim». «Onde está a Srª?» «No 4º Piso do Hospital de Faro, no começo do meu turno das 16:00hs. Sou Assistente Operacional. O meu piso é de cirurgias e não posso sair daqui. Estamos numa tarde de SIGIC, compreende?». «O que sente ele?» Descrevo-lhe, a arfar, os sintomas que acabo de ouvir.
Finalmente consegui. Ambulância já a caminho. Mas agora não sei o que fazer: começo a ligar às colegas, para ver se alguém me pode render. Uma a uma, estão todas ocupadas. Desço para ver o meu marido. Está numa maca, à entrada das Urgências. Amarraram-no à maca. Descubro que a demora da chegada se ficou a dever a um segundo episódio de enfarte do miocárdio. Tiveram de o estabilizar primeiro. Finalmente, já ali, o médico aproxima-se e pergunta-lhe: «então, Sr.... José Paulo, não é? Como está isso?» - «A voltar», diz ele... Metem-no na sala das urgências, dão-lhe uma injecção de morfina e põe-no a uma espécie de soro, uma solução intravenosa de Nitrato de potássio, para regular o batimento cardíaco. Transferem-no depois para o 8º piso do Hospital.
Volto ao meu posto de trabalho. As enfermeiras perguntam-me: «conseguiste alguém para te render? Vá... Deixa isso e vai vê-lo». A meio do corredor, a Cecília. Liguei-lhe várias vezes - pelo menos umas cinco - e nada. Telemóvel desligado. Finalmente, passada uma infinita hora e meia, liga-me ela: «Estou em Portimão. Vim jantar com meu namorado. Então, tudo bem?». Deixara o telemóvel a carregar, no camião dele, enquanto jantavam. Espanto-me: «Não sabia que estavas tão longe. O pior já passou». Conto-lhe a história. Diz-me que vem para Faro, para me render. Digo-lhe que não, não faça isso e tento descansá-la: «Ele já está na UCI Cardiológica. Está estabilizado. Já são 20:15, é tarde para ti. Obrigado, querida... Não, não faças isso...». E pronto, despedimo-nos. Volto ao trabalho.
O mesmo tumulto, a mesma pressa, as mesmas aflições. Andamos em grupo: «Traz o soro, e pendura-o... Temos de ir ao bloco... Chega aqui uma fralda nova... Traz o Sr da cama 6... Ajuda a agarrar nesta senhora... Encoste-se aqui, querida... Isso». As mesmas dores e queixumes, os mesmos ais... Em nome da mesma mãe por quem toda a gente geme... Só que, agora, parece que deslizo, leve... Fez-se-me um silêncio espesso, pelos corredores iluminados. Já não não me dói o braço, já não sinto as pernas... Apetece-me ir para ali, para junto dele. Para minha surpresa, vejo de repente a Cecília. Acaba de chegar, para meu espanto! Nem quis acreditar quando a vi entrar porta adentro. Vinha aflita e preocupada comigo. Abraçamos-no e chorámos. Não era preciso dizer nada. O seu gesto amigo dizia tudo... Agradeço-lhe muito. Limpo as lágrimas. Vou então à Unidade de Cuidados Intensivos, onde o fofinho está.
Falo com os médicos e enfermeiros, que me dizem que ele está estabilizado. Foi mesmo uma sequência de episódios de enfarte. Faço a ficha de internamento e vou vê-lo. Vou e venho. Final de turno. Agarro na roupa e no relógio dele para os levar para casa. Ele está calmo e pede-me um livro. Vou buscar-lhe as coisas da higiene pessoal e trazer-lhe o livro que me pede. Eis como acaba o meu dia. Como começa a minha noite... Amanhã logo se verá. Que Deus me abençoe e me proteja. Que zele por ele. Vou dormir se conseguir.
O meu coração acelera: «Porquê? Que se passa? Tens alguma coisa? Que sentes?»... Assusto-me. Apavorada, falo tão alto que se ouve pelo corredor. Um dos enfermeiros, a meu lado, recomenda-me que ponha o telemóvel no «viva-voz». Ouço-o. Está inquieto, ofegante: «Ardor no peito... De vez em quando náuseas, vómitos intermitentes... Uma moinha que não me larga, a correr pelo lado direito do queixo... E uma dor pulsátil a estender-se-me, como um fio repuxado, que de vez em quando se estica, a correr por debaixo do braço esquerdo, a amarrar-me o pulso... Suor... Estou alagado em suor... Tenho de me deitar».
O enfermeiro a meu lado: «desliga já, chama já o INEM». «Fofinho, consegues andar até à porta? ... «Sim, acho que sim...» «Vai andando para a porta e abre-a. Depois deita-te. Preciso de desligar. Vou chamar o INEM, beijinhos». O 112 toca, toca... Finalmente: «Tá sim? Boa tarde! O meu marido está em casa e ligou-me a dizer que está a ter um enfarto.» Atrapalho-me, na explicação. Que querem eles que diga? «Que idade tem o seu marido?» «55 anos». «Ele está sozinho?» «Sim». «Onde está a Srª?» «No 4º Piso do Hospital de Faro, no começo do meu turno das 16:00hs. Sou Assistente Operacional. O meu piso é de cirurgias e não posso sair daqui. Estamos numa tarde de SIGIC, compreende?». «O que sente ele?» Descrevo-lhe, a arfar, os sintomas que acabo de ouvir.
Finalmente consegui. Ambulância já a caminho. Mas agora não sei o que fazer: começo a ligar às colegas, para ver se alguém me pode render. Uma a uma, estão todas ocupadas. Desço para ver o meu marido. Está numa maca, à entrada das Urgências. Amarraram-no à maca. Descubro que a demora da chegada se ficou a dever a um segundo episódio de enfarte do miocárdio. Tiveram de o estabilizar primeiro. Finalmente, já ali, o médico aproxima-se e pergunta-lhe: «então, Sr.... José Paulo, não é? Como está isso?» - «A voltar», diz ele... Metem-no na sala das urgências, dão-lhe uma injecção de morfina e põe-no a uma espécie de soro, uma solução intravenosa de Nitrato de potássio, para regular o batimento cardíaco. Transferem-no depois para o 8º piso do Hospital.
Volto ao meu posto de trabalho. As enfermeiras perguntam-me: «conseguiste alguém para te render? Vá... Deixa isso e vai vê-lo». A meio do corredor, a Cecília. Liguei-lhe várias vezes - pelo menos umas cinco - e nada. Telemóvel desligado. Finalmente, passada uma infinita hora e meia, liga-me ela: «Estou em Portimão. Vim jantar com meu namorado. Então, tudo bem?». Deixara o telemóvel a carregar, no camião dele, enquanto jantavam. Espanto-me: «Não sabia que estavas tão longe. O pior já passou». Conto-lhe a história. Diz-me que vem para Faro, para me render. Digo-lhe que não, não faça isso e tento descansá-la: «Ele já está na UCI Cardiológica. Está estabilizado. Já são 20:15, é tarde para ti. Obrigado, querida... Não, não faças isso...». E pronto, despedimo-nos. Volto ao trabalho.
O mesmo tumulto, a mesma pressa, as mesmas aflições. Andamos em grupo: «Traz o soro, e pendura-o... Temos de ir ao bloco... Chega aqui uma fralda nova... Traz o Sr da cama 6... Ajuda a agarrar nesta senhora... Encoste-se aqui, querida... Isso». As mesmas dores e queixumes, os mesmos ais... Em nome da mesma mãe por quem toda a gente geme... Só que, agora, parece que deslizo, leve... Fez-se-me um silêncio espesso, pelos corredores iluminados. Já não não me dói o braço, já não sinto as pernas... Apetece-me ir para ali, para junto dele. Para minha surpresa, vejo de repente a Cecília. Acaba de chegar, para meu espanto! Nem quis acreditar quando a vi entrar porta adentro. Vinha aflita e preocupada comigo. Abraçamos-no e chorámos. Não era preciso dizer nada. O seu gesto amigo dizia tudo... Agradeço-lhe muito. Limpo as lágrimas. Vou então à Unidade de Cuidados Intensivos, onde o fofinho está.
Falo com os médicos e enfermeiros, que me dizem que ele está estabilizado. Foi mesmo uma sequência de episódios de enfarte. Faço a ficha de internamento e vou vê-lo. Vou e venho. Final de turno. Agarro na roupa e no relógio dele para os levar para casa. Ele está calmo e pede-me um livro. Vou buscar-lhe as coisas da higiene pessoal e trazer-lhe o livro que me pede. Eis como acaba o meu dia. Como começa a minha noite... Amanhã logo se verá. Que Deus me abençoe e me proteja. Que zele por ele. Vou dormir se conseguir.
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